15 Fevereiro 2023
"A guerra na Ucrânia abre uma nova fase de 'legalização' das atividades mercenárias, que terá um impacto global não apenas na Rússia", escreve Mario Giro, professor de Relações Internacionais na Universidade para Estrangeiros de Perugia, na Itália, em artigo publicado por Domani, 14-02-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
A Rússia está aumentando o uso de contratados em todos os lugares. Ao imitar uma tática inaugurada pelos EUA (no Iraque e no Afeganistão), Moscou entendeu que em inúmeras ocasiões é melhor usar empresas privadas – como a já conhecida Wagner ou a mais recente Redut –, mesmo que a lei nacional o proíba.
Desta forma, a Rússia tenta reformar seu exército cronicamente carente de pessoal e cada vez mais dependente de soldados privados. Problemas já haviam surgido durante a guerra na Síria dentro das unidades do exército russo, que depois vieram à luz descaradamente no conflito na Ucrânia.
Tais dificuldades estão levando o Kremlin a se apoiar mais em organizações privadas, como já foi visto em Bakhmut e Soledar. A surpresa é que isso acontece de forma pública: Yevgeny Prigozhin, o oligarca fundador do grupo Wagner e confidente próximo do presidente russo, tornou-se um dos mais ferozes críticos da conduta do estado-maior russo, confrontando nominalmente os próprios generais. Ironicamente, o grupo Wagner foi criado em 2014 por recomendação do mesmo estado-maior que Prigozhin critica hoje.
Não é a primeira vez que isso acontece: no passado o fundador do Wagner já havia criado polêmica com o exército sobre as guerras da Síria e da Líbia, às vezes acusando os generais de enviarem deliberadamente seus homens sem a mínima preparação.
Em particular, houve uma polêmica muito forte (mesmo que toda por linhas internas) quando os EUA, em 7 de fevereiro de 2018, bombardearam (erroneamente, foi dito) Deir el Zhor, matando mais de 100 russos, todos do grupo Wagner. Naquela ocasião, Moscou não protestou com Washington, levando Prigozhin a acreditar ter caído em uma armadilha preparada para ele pelo alto comando russo, com quem as relações já eram muito competitivas.
O fato é que agora todo o setor militar russo está passando por uma transformação e o próprio presidente Putin está pedindo para colocar de lado toda controvérsia e cooperar. O ministro da Defesa Sergei Shoigu anunciou um aumento no número total de tropas para 1,5 milhão (atualmente é 1,1) e a elevação da idade de recrutamento de 18 a 27 anos para 21-30 anos.
Tudo isso resultará na criação de 17 novas divisões. De volta ao modelo soviético: unidades com tropas numerosas para conflitos de ondas humanas (como no Donbass), abandonando o uso de unidades leves adequadas para o contraterrorismo ou os conflitos de baixa intensidade, como a Síria. Para equipar as novas tropas, modernizá-las e implantá-las, será necessária uma enorme quantidade de armas e equipamentos logístico-militares: um esforço que já pode ser percebido na atual ofensiva no Donbass em que os russos começaram a avançar novamente.
Uma das questões mais delicadas é a dos oficiais no campo: aqueles que conduzem efetivamente a ofensiva e devem se comunicar com os altos comandos na retaguarda. Há muitos generais na Rússia, mas poucos tenentes e capitães e a atual guerra ucraniana mostrou como existe uma verdadeira escassez de comando: um grupo demasiado grande de oficiais superiores mortos nos primeiros meses; poucos oficiais intermediários eficientes.
Descobriu-se que, na pressa da invasão, soldados e suboficiais sem nenhuma formação foram promovidos a tenentes. Existe uma necessidade urgente de formação que exigirá tempo e que foi compensada trazendo oficiais experientes da Síria. A Rússia está conduzindo uma guerra em grande escala e planeja à sua maneira (lenta, mas inexorável) uma completa transformação de seu exército.
Outra novidade já percebida no campo é o envolvimento misto em operações de unidade do exército e contratados, enquanto até agora eram mantidas estritamente separadas, como em geral acontece com esse tipo de militares. Além disso, parece que o Ministério da Defesa ainda planejasse confiar diretamente ao Wagner a negociação para construir uma base militar no Sudão, mesmo que depois a ideia tenha sido arquivada.
Esse mix de forças oficiais e mercenárias está criando uma novidade absoluta na Ucrânia: no ataque não haveria apenas russos ou eslavos, mas também estrangeiros como árabes ou afegãos. A guerra na Ucrânia abre, portanto, uma nova fase de "legalização" das atividades mercenárias, que terá um impacto global não apenas na Rússia. Outra questão é a possível utilização de contratados no setor de segurança pública: a polícia russa está com dificuldade de homens e equipamentos e alguns analistas já estão prevendo uma forma de agentes privados tipo “Wagner” entre os cidadãos, mesmo que isso exija uma revisão legislativa.
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A guerra na Ucrânia está “legalizando” a atividade dos mercenários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU